quarta-feira, 30 de julho de 2014

*** Tu Tens um Medo ***


Tu Tens um Medo


Acabar.
 Não vês que acabas
 todo o dia.
 Que morres no amor.
 Na tristeza.
 Na dúvida.
 No desejo.
 Que te renovas todo dia.
 No amor.
 Na tristeza
 Na dúvida.
 No desejo.
 Que és sempre outro.
 Que és sempre o mesmo.
 Que morrerás por idades imensas
 Até não teres medo de morrer. E então serás eterno.
 Não ames como os homens amam.
 Não ames com amor.
 Ama sem amor.
 Ama sem querer.
 Ama sem sentir.
 Ama como se fosses outro.
 Como se fosses amar.
 Sem esperar.
 Tão separado do que ama, em ti,
 Que não te inquiete
 Se o amor leva à felicidade,
 Se leva à morte,
 Se leva a algum destino.
 Se te leva.
 E se vai,
 ele mesmo...
 Não faças de ti
 Um sonho a realizar.
 Vai.
 Sem caminho marcado.
 Tu és o de todos os caminhos.
 Sê apenas uma presença.
 Invisível presença silenciosa.
 Todas as coisas esperam a luz,
 Sem dizerem que a esperam.
 Sem saberem que existe.
 Todas as coisas esperarão por ti,
 Sem te falarem.
 Sem lhes falares.
 Sê o que renuncia
 Altamente:
 Sem tristeza da tua renúncia!
 Sem orgulho da tua renúncia!
 Abre as tuas mãos sobre o infinito.
 E não deixes ficar de ti
 Nem esse último gesto!
 O que tu viste amargo,
 Doloroso,
 Difícil,
 O que tu viste inútil
 Foi o que viram os teus olhos
 Humanos,
 Esquecidos...
 Enganados...  
E tu verás o que vias:
 Mas tu verás melhor...
 ... E tudo que era efêmero
 se desfez.
 E ficaste só tu,
 que é eterno. 



                        Cecilia Meireles

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